domingo, 5 de julho de 2015

TEMPO


Cheguei em casa do trabalho podre de cansada. Foi um dia duro. Percebo que deixei a janela da sala aberta; choveu, molhou o tapete e minha árvore da felicidade está no chão.
- Que saco!
De manhã prometia um belo dia de sol, mas o tempo virou, choveu, ventou e agora passa das seis da tarde, eu aqui sem saber o que faço primeiro: seco o chão ou replanto minha arvorezinha - é da felicidade, mas dá trabalho.- 
Meu filho puxa minha blusa me chamando pela milésima vez.
- Ô mãe!! Olha aqui o que eu fiz! Mãe, olha só o que eu já faço! Mãe, olha só o que vou fazer!
 Me irrito com tanta demanda: - Querido vai assistir um pouco de TV que a mãe está ocupada.- Entrego o controle remoto na sua mão. Antes de começar a limpeza, vou até o quarto tirar o salto alto e o tailleur. Ouço barulho de porta. Meu marido chegando com a Júlia. 
- Oi filhão, tudo bem?
- Mãe, tô com fome! Ao mesmo tempo que diz isso, minha filha joga sua mochila no chão e pega o controle remoto da mão de Gabriel que, indignado, dá um tapa na mana que obviamente, revida. Começa o choro. Meu marido, que tinha acabado de deixar as comprar do super em cima da mesa da cozinha, vai até às crianças. Tira o controle da mão deles. Estão todos falando muito alto e ninguém consegue se ouvir:
- Júlia, não incomoda teu irmão!
- Pai ela me deu um tapa!
- Pestinha, tu me paga!
Acabei de secar o chão e estou juntando minha arvorezinha que desejei ardentemente jogar pela janela. Me contive. Sorte da vizinha do 601 que entrava no prédio nesse momento.
Júlia vai para seu quarto, liga o computador e se esquece da vida. Gabriel segue vendo seu desenho, ou sei lá o que está assistindo na TV. Pelo menos me dão uma pausa. Cruzo com Carlos. Eu indo para a lavanderia deixar o balde e o pano. Ele vindo da cozinha com uma cerveja na mão.
- Oi querida, tudo bem?
- Tudo.
Recebo um beijo na bochecha. Frio. Será a cerveja? Tenho a impressão de que os nossos olhos não chegaram a se cruzar.
Vou para a cozinha fazer o jantar. Antes passo no quarto de Júlia e digo para ela tomar banho. Grito da cozinha mesmo para o Gabriel desligar a TV e fazer seus temas.
Carlos cantarola enquanto toma banho.
Gabriel ri de alguma coisa que vê na TV.
Júlia dá gritinhos eufóricos de adolescente com seu computador.
Ponho água na panela enquanto guardo as compras.
Jantamos todos juntos, quase em silêncio.
- Lembrou de comprar q-boa? Amanhã a Cida vem.
 - Mãe! Tô sem créditos no celular.
- Pai me dá um tablet? Todos os meus colegas já têm.
- A massa ficou sem sal, querida.
Vou pra cama desejando um novo dia. Antes de colocar a placa de bruxismo na boca, lembro de dizer para o Carlos que a professora do Gabriel comentou que ele anda muito agitado, “hiperativo”. Era bom procurar um profissional.
Fecho os olhos.  Percebo um misto de raiva, melancolia e tédio.
É bom não esquecer de fechar a janela amanhã. Bem que podia ter um lindo sol. Será que minha arvorezinha da felicidade vai resistir?