- Que saco!
De manhã prometia um belo dia de sol, mas o tempo virou, choveu, ventou e agora
passa das seis da tarde, eu aqui sem saber o que faço primeiro: seco o chão ou replanto minha arvorezinha - é da felicidade, mas dá trabalho.-
Meu filho puxa minha blusa me chamando pela milésima vez.
Meu filho puxa minha blusa me chamando pela milésima vez.
-
Ô mãe!! Olha aqui o que eu fiz! Mãe, olha só o que eu já faço! Mãe, olha só
o que vou fazer!
Me irrito com tanta demanda: - Querido vai
assistir um pouco de TV que a mãe está ocupada.- Entrego o controle remoto na
sua mão. Antes de começar a limpeza, vou até o quarto tirar o salto alto e o
tailleur. Ouço barulho de porta. Meu marido chegando com a Júlia.
- Oi filhão,
tudo bem?
-
Mãe, tô com fome! Ao mesmo tempo que diz isso, minha filha joga sua mochila no
chão e pega o controle remoto da mão de Gabriel que, indignado, dá um tapa na
mana que obviamente, revida. Começa o choro. Meu marido, que tinha acabado de
deixar as comprar do super em cima da mesa da cozinha, vai até às crianças. Tira o controle da mão deles. Estão todos falando muito alto e ninguém consegue
se ouvir:
-
Júlia, não incomoda teu irmão!
-
Pai ela me deu um tapa!
-
Pestinha, tu me paga!
Acabei
de secar o chão e estou juntando minha arvorezinha que desejei ardentemente jogar pela janela. Me contive. Sorte da vizinha do 601 que entrava no prédio
nesse momento.
Júlia
vai para seu quarto, liga o computador e se esquece da vida. Gabriel segue
vendo seu desenho, ou sei lá o que está assistindo na TV. Pelo menos me dão uma
pausa. Cruzo com Carlos. Eu indo para a lavanderia deixar o balde e o pano. Ele
vindo da cozinha com uma cerveja na mão.
-
Oi querida, tudo bem?
-
Tudo.
Recebo
um beijo na bochecha. Frio. Será a cerveja? Tenho a impressão de que os
nossos olhos não chegaram a se cruzar.
Vou
para a cozinha fazer o jantar. Antes passo no quarto de Júlia e digo para ela
tomar banho. Grito da cozinha mesmo para o Gabriel desligar a TV e fazer seus
temas.
Carlos
cantarola enquanto toma banho.
Gabriel
ri de alguma coisa que vê na TV.
Júlia
dá gritinhos eufóricos de adolescente com seu computador.
Ponho
água na panela enquanto guardo as compras.
Jantamos
todos juntos, quase em silêncio.
-
Lembrou de comprar q-boa? Amanhã a Cida vem.
- Mãe! Tô sem créditos no celular.
-
Pai me dá um tablet? Todos os meus colegas já têm.
-
A massa ficou sem sal, querida.
Vou
pra cama desejando um novo dia. Antes de colocar a placa de bruxismo na boca,
lembro de dizer para o Carlos que a professora do Gabriel comentou que ele anda
muito agitado, “hiperativo”. Era bom procurar um profissional.
Fecho os olhos. Percebo um misto de raiva, melancolia e tédio.
É
bom não esquecer de fechar a janela amanhã. Bem que podia ter um lindo sol.
Será que minha arvorezinha da felicidade vai resistir?